As fontes de Quentin Tarantino

As fontes de Quentin Tarantino

Giovanni Blandino Publicado em 10/25/2023

Citações, potpourri de géneros, alguns fetiches e muita extravagância: as características de Quentin Tarantino também se encontram no lettering utilizado nos créditos de abertura dos seus filmes. Quantos outros realizadores conseguiriam utilizar quatro tipos de letra diferentes numa sequência de poucos segundos, como acontece em Kill Bill? Depois, há as homenagens ao lettering dos westerns spaghetti, o empréstimo de tipos de letra dos filmes B dos anos 70 e certos tipos de letra que se repetem em praticamente todos os filmes.

Em suma, mesmo em termos de tipografia, o mestre do cinema americano parece nunca nos aborrecer. Aqui encontrará um conjunto de exemplos dos créditos de abertura mais emblemáticos dos filmes lendários de Tarantino.

As hienas

Le Iene – o primeiro filme de Quentin Tarantino – foi feito com um orçamento muito reduzido, de tal forma que alguns actores tiveram de trazer as suas próprias roupas e carro para a cena. Talvez seja também este facto que confere ao filme uma patina especial, algures entre o caseiro e um filme poliziottesco à moda antiga. Como já se pode adivinhar pelos créditos de abertura.

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Os protagonistas são filmados em câmara lenta na já famosa caminhada, enquanto os seus nomes aparecem no ecrã: o tipo de letra utilizado é o gracioso tipo Palatino, numa cor mostarda que se tornará uma marca registada de quase todos os filmes de Tarantino. Um êxito dos anos setenta toca em fundo. O título do filme está no clássico Garamond, outro tipo de letra muito apreciado – nasceu em França no século XVI e chegou até nós com várias modificações. Em Itália, aliás, é um tipo de letra “recordista”, como noticiámos aqui.

Enquanto os títulos correm de forma limpa e bem cadenciada, o som sugere que algo está a mudar: a música desvanece-se e começam a ouvir-se estranhos gemidos de fundo. Lembram-se de quem está em maus lençóis?

Pulp Fiction

O mais conhecido dos filmes de Quentin Tarantino Pulp Fiction – deu início a uma parceria especial entre o realizador americano e a Pacific Title, uma empresa de Hollywood especializada na conceção de títulos desde os tempos do cinema mudo. Primeiro a Pacific Title e depois o seu designer Jay Johnson assinariam o design gráfico dos títulos de todos os filmes subsequentes de Tarantino.

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Depois de nos oferecer a definição de pulp segundo o American Heritage Dictionary num Times New Roman clássico, começa uma sequência de abertura que já nos prepara para o que vamos ver nas próximas duas horas: diálogos de rua, más intenções e citações dos anos setenta.

Os primeiros créditos de abertura são em ITC Busorama, uma fonte sans serif desenhada por Tom Carnase em 1970 que combina art déco com um estilo esquisito. Na parte inferior, o título do filme, agora icónico, aparece num tipo de letra muito poderoso: o Aachen Bold de 1969. Sobrepostos a branco estão os créditos dos actores: o tipo de letra utilizado é, com toda a probabilidade, o ITC Benguiat modificado nas letras iniciais. Esta graciosa fonte foi criada em 1977 pelo mestre do design de fontes Ed Benguiat e é também utilizada para o logótipo de uma recente série de televisão, adivinhe qual.

Alguém muda então a estação de rádio e… damos por nós num Chevrolet com John Travolta e Samuel L. Jackson.

Jackie Brown

Os filmes de Quentin Tarantino estão repletos de citações: filmes underground, poliziotteschi italianos e filmes B. Em Jackie Brown – o terceiro filme do realizador americano e provavelmente o menos conhecido – tudo, até a letra do título, é uma grande homenagem aos filmes de blaxpoitation. Blaxpoitation é um género que teve origem nos Estados Unidos na década de 1970 e que pode ser resumido da seguinte forma: música funk, muito soul, baixo orçamento e um público-alvo afro-americano.

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O título do filme é feito acentuando as características funky do ITC Tiffany, outro tipo de letra criado por Ed Benguiat em 1974. A principal referência é o cartaz de Foxy Brown, um filme de blaxpoitation de 1974 com a mesma protagonista escolhida por Tarantino: Pam Grier. Até o tipo de letra utilizado para o logótipo Foxy Brown é da autoria do prolífico Ed Benguiat: o Benguiat Caslon. Não é de admirar: Ed Benguiat é um designer de tipos de letra de longa duração – tem atualmente 93 anos – e proeminente, que criou mais de 600 tipos de letra e muitos tipos de letra para títulos de filmes.

Inglourious Basterds

Já vimos como a utilização de fontes nos créditos de abertura dos filmes de Quentin Tarantino é frequente e traça de alguma forma o seu estilo cinematográfico. E se há uma coisa que Tarantino adora é aparecer nos seus filmes. As suas aparições são inúmeras: em Pulp Fiction, encontra-se em casa de John Travolta e Samuel L. Jackson com um grande problema para resolver, enquanto em The Hyenas faz parte de um grupo de bandidos.

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De alguma forma, até nos créditos de abertura de Inglourious Basterds – o sexto filme do realizador – há uma participação especial dele. O título do filme está, de facto, escrito pelo seu próprio punho: a imagem foi retirada da capa do seu último guião, concluído em julho de 2008.

Os Oito Odiados

Os dois filmes de western de Quentin Tarantino oferecem uma boa oportunidade para regressar a alguns westerns spaghetti, também em termos de tipos de letra.

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A fonte utilizada para o título de The Hateful Eight – o oitavo filme de Quentin Tarantino – foi desenhada por Jay Johnson inspirando-se em centenas e centenas de westerns spaghetti! Em particular, o lettering quase lúdico do título faz lembrar as criações de Iginio Lardani, o “Sergio Leone” do design de títulos – que assinou as introduções mais famosas do género. Por último, os créditos dos actores em ITC Bookman, de cor mostarda, recordam-nos – se ainda não o tivéssemos adivinhado – que estamos a ver um filme de Tarantino.

Era uma vez em Hollywood

O último filme de Quentin Tarantino é uma espécie de conto de fadas de Hollywood, algures entre a homenagem e a nostalgia: há roupas vintage, carros vintage, cartazes vintage e, claro, muitas e muitas letras vintage.

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Uma das jóias mais interessantes do filme – para nós, fãs – é sem dúvida a cena em que os sinais de néon de Hollywood se acendem um a um. Uma sequência que nos dá trinta segundos de pura imersão nos gráficos dos anos 60!

Mas falemos dos créditos de abertura. Once Upon a Time in… Hollywood começa e sentimo-nos em casa quando vemos os tipos de letra já característicos: ITC Bookman e ITC Busorama, obviamente em cor mostarda. O título do filme, por outro lado, só aparece nos créditos finais, como que para selar o fim deste conto de fadas moderno.

Vimos, portanto, como as escolhas tipográficas nos filmes de Tarantino não estão longe da sua forma de fazer cinema, um estilo único e hoje reconhecido que o design dos títulos de certa forma complementa. Há elementos recorrentes, como o Bookman e o Busorama. Há tipos de letra que citam explicitamente vertentes estéticas inteiras, como o western ou o mundo funky de Jackie Brown. Há também um toque saudável de belo personalismo à la… Tarantino.